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Como superar o medo?

Atualizado: 3 de jul. de 2024

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Se fores morto na batalha, entrarás nos céus; se fores vencedor, gozarás a terra. Pelo que, Arjuna, tem coragem e resolve lutar! - Bhagavad Gita

Eu gostei bastante dessa adaptação do Humberto Rohden (filósofo, educador e teólogo brasileiro) da Gita, uma das epopéias, poesia heróica, de grande destaque no ensinamento e compreensão do Yoga. Assim como a psicologia junguiana, o pensamento indiano é estudado e compreendido muito mais através da metáfora, do simbolismo, do que meramente o intelectualismo delimitado pela linguagem. Segundo Zimmer, no livro Filosofias da Índia, a filosofia indiana afirma que as possíveis experiências que a mente pode ter da realidade ultrapassam, em muito, a esfera do pensamento lógico. Jung acreditava que cada pessoa precisa sentir que sua vida tem um sentido, e este deve ir além do imediato. O que fazemos no mundo deve ecoar de algum modo, causar um impacto sobre a realidade. Muito maior que a eterna busca pela felicidade, é a busca pelo sentido.


Então, voltando à passagem da Gita, eu te questiono: pelo quê você tem coragem e vai à luta? Qual o sentido da sua vida, que te demanda agir com o coração, e te faz superar o medo?

Sentimos medo de agir pelo coração pois existe todo um repertório e expectativa de ideias e ideais, de como se deve ser e estar no mundo. Silenciamos então nossa intuição, aprendemos a abstrair os sinais, os sintomas, a linguagem do corpo, e toda nossa subjetividade. O medo é inimigo da incerteza, da curiosidade e da abertura para o novo e suas muitas possibilidades. Gloria Arieira, uma grande estudiosa do Vedanta, diz que o medo nasce de um desejo de como eu, o outro e todo universo devem ser para que eu possa ser feliz. O monge Swami Ishwarananda Giri, em uma de suas palestras, diz que o medo pode ser analisado a partir de duas facetas: o medo da morte e o medo da perda.


O medo da morte (abhinivesa) é descrito no Yoga-Sutras de Patanjali como um dos venenos (klesas) que causam infelicidade e sofrimento humano. Mas você pode estar se perguntando: o medo da morte não tem função de preservação da vida? Sim e não. Ele tem sua forma instintiva sim, afinal, animais também sentem medo, mas, ao contrário do ser humano, os animais não agem arquitetando e construindo planos pra driblar a morte e o envelhecimento. Quando os animais sentem medo, eles entram no modo de comportamento luta ou fuga. Não subjetivam o medo. Nós, muitas vezes entramos em estado de ansiedade na tentativa de controlar e manipular a realidade. Ou pior, outras pessoas em busca de poder, tentam nos controlar através do medo, que em nossa sociedade vira um instrumento de manipulação e lucro, afinal, é ele quem vende plano de saúde, seguro de carro, sistema de monitoramento de casa, etc.


Portanto, sim, o medo tem a finalidade de nos alertar contra ameaças, mas também nos enfraquece, nos manipula e nos adoece. Uma vez expostas a essas situações de incerteza, bem como os animais, nosso corpo reage liberando na corrente sanguinea hormônios estimulantes, regulados pelas supra-renais. Em excesso, no caso das situações de estresse crônico, esses hormônios nos colocam constantemente em estado de guarda, o que resulta na paralisação - do corpo e da mente - sabe aquele trapézio todo travado, a vida financeira que não prospera, a doença que te limita o movimento? Então... e tudo isso tem relação com o apego (raga), outro aspecto considerado nocivo, segundo o Yoga. É o apego que influencia o medo da perda. É o apego que traz a falsa noção de segurança. É o apego que paralisa.


Você sente que aquele objeto, aquela pessoa, aquela conta no banco, aquela beleza... é algo que te faz segura, traz felicidade. E se a felicidade está atrelada com qualquer objeto ou situação do mundo - onde as coisas são todas impermanentes - estará também atrelada à perda. E sentiremos medo. 

Quando o Yoga fala sobre desapego (vairagya), não é a negação das coisas da vida e do mundo material, não é condenar a ambição de querer ter uma conta bancária com tanto dinheiro ou a vaidade da busca pela beleza, mas sim uma nova forma e compreensão de se relacionar com a realidade, tal como ela é, e não como gostaríamos que fosse. É aprender a se estar no mundo sem pertencer ao mundo. E aqui, eu volto lá para o começo desse texto, na importância da busca do sentido. O que, além da minha idéia de felicidade e segurança, me movimenta, motiva e faz de mim quem eu sou?


Jung chama esse processo de compreensão do sentido da própria existência de individuação. E essa compreensão não é meramente intelectual. O autoconhecimento envolve um mergulho radical no encontro com as profundezas de nosso inconsciente já que ele governa e influencia muito do nosso comportamento. A gente sabe que o medo é aprendido desde a infância. Já falamos sobre ele ser um instrumento de manipulação. Quantas de nós não adquiriu um comportamento, de "ser uma boa menina", com medo de ficar de castigo? Ou com medo de não pertencer e ser aceita? Mas, de repente, somos adultas e continuamos com os mesmos padrões aprendidos na base do medo. Consciente ou inconscientemente nos relacionamos com o mundo fundamentado em crenças criadas a partir da nossa família, cultura e sociedade que nos rodeia.


Nesse ponto, podemos dizer que o Yoga é um ótimo método de refinamento da bússola interna. Experienciamos no tapetinho toda nossa vulnerabilidade que no dia a dia insistimos em esconder - muitas vezes até de nós mesmas. É possível perceber enrijecimento, desequilíbrio, falta de foco, etc. É exposta a nossa limitação ou falta de repertório, cerceada pelo medo do vazio, pelo medo de não caber, pelo julgamento. Mas, dentro da prática, a gente fica com o real, e só a partir de um olhar honesto para nossa condição humana, para nossa forma pensamento condicionada, é que teremos verdadeiras condições de começar a abrir espaço: no corpo e na psique. E, em estado de profunda conexão consigo mesma, com o sentir do corpo - que comunica e atravessa muitas vezes em intensas emoções e processos catárticos, deixar brotar o que é a nossa Verdade, qual o nosso sentido de ser e estar aqui. Se re-conheça, de novo e de novo, quantas vezes necessário, para se re-encontrar.




Questões para refletir:


  • Quais são os meus medos?

  • Quais são os medos da minha família e da sociedade em que vivo?

  • Quais são minhas maiores crenças a respeito de mim mesma (eu sou isso, eu sou aquilo) e a respeito da vida?

  • Acredito que agir de uma determinada maneira ou conquistar algo vai me trazer mais felicidade?

  • O que eu associo com felicidade e segurança?

  • O que me faz sentir inteira?

  • Como vou reagir se meu maior medo me encontrar?


Nas cavernas que tem medo de entrar está o tesouro que você procura. - Joseph Campbell

 
 
 

2 comentários


Kaio Martins
Kaio Martins
02 de ago. de 2024

Gostei muito do texto ! Principalmente da linguagem, formato utilizado para explicar o conteúdo !

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Membro desconhecido
02 de ago. de 2024
Respondendo a

Agradeço querido!

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