Enantiodromia e temperança: entre desequilíbrios e compensações
- Paola Alarcon
- há 4 dias
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Muita gente vive isso sem saber dar nome: momentos em que, de repente, parece que viramos do avesso.

Tem quem viva só no “modo produtividade”: acelera, se sobrecarrega, diz sim para tudo… até que trava, chega o burnout. O corpo pede pausa, a mente desliga, a energia some. Tem quem reprime emoções por meses, anos até: segura firme, faz de conta que não sente nada. Até que um detalhe qualquer vira o gatilho para uma explosão, um choro, um colapso inesperado. Tem quem busca estímulo constante: viagens, encontros, festas, projetos, movimento. Um dia, acorda com vontade de sumir do mundo. Tem também a pessoa “sempre forte”: segura todo mundo, sustenta tudo — até que de repente aparece uma doença e a vulnerabilidade chega de forma abrupta. E aquela pessoa “super zen”, que evita conflitos e tenta manter tudo leve… até o dia em que explode.
Tudo isso tem um fio invisível em comum. E Carl Gustav Jung chamou esse fenômeno de enantiodromia: quando a gente se estende demais para um extremo e acaba inevitavelmente sendo puxado para o oposto. Um mecanismo interno de compensação, que busca equilibrar o que a psique exagerou e se fixou.
A vida me mostrou isso recentemente. Depois de uma aventura no hemisfério norte, viajei para o sul do país e numa atitiude bem impulsiva quase fiquei por lá. Refletindo sobre isso e tentando me entender, percebi que saí daqui do Brasil em pleno outono e, de repente, aterrisei no verão europeu cheio de novidade e movimento. E foi maravilhoso — mas intenso. Voltei na primavera brasileira, e em vez de florescer, tive a sensação de uma ressaca. Me senti sem energia e ao invés de expandir, minguei. Em vez de brotar, me fechei. Sem perceber, criei meu próprio inverno.
É exatamente assim que a enantiodromia opera: quando uma polaridade se intensifica demais, a outra aparece sem pedir licença. O tarot simboliza isso lindamente no arcano XIV, A Temperança. Ela fala sobre harmonizar opostos, como o sal no doce: não para salgar, mas criar o contraste ao paladar. Temperar é saber dosar os extremos.
A alquimia dizia o mesmo: não se trata de escolher um lado e rejeitar o outro. Trata-se de circular entre eles. Sentir quando aquecer e quando esfriar. Quando abrir e quando fechar. Fluxo, não rigidez.
E por que é tão importante entender isso?
Porque nos ajuda a perceber o exagero antes do colapso. Porque nos torna mais atentos à força do nosso inconsciente, nos ajudando a ter abertura pra dialogar com a sombra, as partes que podemos ter excluido ou rejeitado mas que devem ser integradas, porque conscientes ou não, elas nos acompanham. Entender esse movimento da psique então nos dá mais autonomia — entender nossos ciclos nos torna menos reféns deles.
Somos como um pêndulo. Quanto mais empurramos para um lado, maior o movimento de retorno. E tudo bem. Faz parte. É natural. É humano. Talvez o verdadeiro equilíbrio esteja justamente aí: no reconhecimento de que os extremos fazem parte do caminho — e que o centro não é um lugar fixo, mas um movimento constante de voltar a si.


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